ser mulher e viver com VIH, em Portugal, soma
Uma onda de neo-conservadorismo, de crenças arraigadas no racismo, xenofobismo, sexismo, assola o mundo. Em Portugal, recentemente falou-se do sexismo na política. E choca-me que pessoas que trabalham para melhorar a nossa sociedade sejam continuamente alvo de preconceito e sexismo. Ao olhar para o meu exemplo de mulher que vive com o VIH, abertamente, há quase 30 anos, diria que em Portugal não grassa apenas o sexismo, mas também o preconceito, a estigmatização, a ignorância, a má educação (ou a falta dela no que concerne a educação, respeito e sensibilidade comunitária e sentido de alteridade).
Numa altura em que o rosto do VIH se alterou esperamos que as atitudes tenham mudado. Não. Vivemos tempos onde o preconceito, o sexismo, o racismo, a ignorância, o conservadorismo, está exacerbado. Conto-vos a minha história porque é representativa dessa prática corrente que grassa Portugal (e não só), porque a minha história recheada de preconceitos, estigma, sexismo não é única. Infelizmente a grande maioria das mulheres que vive com VIH lida, numa altura ou outra, com o preconceito e o estigma.
No decorrer da minha vida, como mulher que vive com VIH, fui alvo de preconceito, sexismo, por vizinhxs que passavam por mim na escada e chamavam de tudo (nome de animais são um exemplo), que me riscavam o carro, furavam os seus pneus. Cansativo, frustrante sobretudo porque ninguém nos protege. Felizmente mudei de casa. Mas, e quem não tem a possibilidade de mudar?
No decorrer da minha atividade, e como presidente de uma associação de e para mulheres que vivem com o VIH, fui constantemente questionada do objeto da associação. Mulheres? Porquê só mulheres? E se a dúvida pode ser um pouco legítima em algumas pessoas por desconhecimento, é estranho que profissionais de saúde a coloquem. A diferença entre homens e mulheres é visível, e no que concerne ao VIH também bem documentada.
Recentemente, numa conferência internacional sobre VIH, onde estive com outrxs representantes portugueses, uma dessas representantes mandou-me calar várias vezes. Não porque estivesse a dizer algo de errado, mas apenas porque ‘estava cansada de ouvir a minha voz’.
E quem me disse para me calar não vive com a doença. Trabalha sim para as pessoas que vivem com o VIH. Lamento que existam pessoas para quem eu e xs minhas/meus pares não passam de meios para pagar as suas hipotecas, as rendas, etc. Lamento que nos vejam como pessoas inferiores, que merecem a pena e os seus cuidados. Mas sobretudo lamento que nos silenciem. Mais, se tal se verificou comigo, certamente se propaga no desempenho da sua atividade. Uma atividade contrária aos direitos humanos, que desempodera, silencia as pessoas que infelizmente não têm forma de falar mais alto. E, é particularmente assustador que estejam envolvidas na resposta ao VIH.
Infelizmente o que aconteceu comigo, ser silenciada, desempoderada, acontece com outras pessoas que vivem com o VIH. Sistematicamente. E por isso relembro a importância do GIPA/MIPA (Meaningful Involvement of People Living with HIV/AIDS), da significativa participação e envolvimento das pessoas que vivem com VIH na resposta ao VIH. E que nada sobre nós faz sentido sem nós.
