Jovens mulheres tratadas precocemente permanecem VIH-negativas
Um grupo de jovens mulheres sul-africanas que foram muito precocemente diagnosticadas com a infeção pelo VIH assim como tratadas com terapia antirretroviral (TAR) preservaram as suas contagens de CD4 e a função das células que o VIH normalmente afeta. A maioria delas nunca seroconverteu, permanecendo negativas para o VIH, apesar de apresentarem evidências de baixos níveis de infeção pelo vírus nas suas células.
O estudo foi apresentado no Simpósio ‘Towards an HIV Cure’ (Rumo à Cura) 2016, que precedeu a 21a Conferência Internacional de SIDA (AIDS2016), em Durban, África do Sul.
As/Os cientistas planeiam acompanhar estas jovens mulheres por 2-3 anos, altura em que pensam propor a opção de interrupção do tratamento, ou seja, parar a TAR para verificar se permanecem indetetáveis sem o tratamento.
O estudo FRESH
Thumbi Ndung’u, da Universidade de KwaZulu-Natal, apresentou no Simpósio os últimos dados do estudo FRESH (foto), que entre outras coisas, é um estudo criado para demonstrar que é possível promover a cura do VIH entre jovens vulneráveis em ambientes de baixo rendimento, e considerar as opções que possam realmente ser aplicadas nestes contextos.
“Otimizar o efeito da TAR pode ser mais viável, no ambiente africano, do que outras estratégias de cura, pelo menos a curto prazo”, comentou Ndung’u.
O estudo FRESH recrutou 300 jovens mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 23 anos, VIH-negativas, mas em alto risco de infeção pelo VIH. O seu principal objetivo é o de avaliar a toma da TAR durante o período de infeção ‘hiperagudo’ – isto é, no estadio detetável mais precoce, ou seja, dentro de dez a 15 dias e não excedendo as 3 semanas desde o momento da infeção, antes de alcançar o pico de carga viral de VIH e bem antes da produção de anticorpos para o VIH.
Para detetar a infeção pelo VIH tão precocemente, as jovens mulheres fizeram testes para detetar a carga viral do VIH pelo menos duas vezes por semana – o que constitui um compromisso considerável.
Resultados
Apesar da frequência dos testes nas clínicas e do acesso a preservativos e aconselhamento para prevenção, 42 das jovens foram infetadas com o VIH, o que representa uma incidência anual de 8,5%, similar à incidência de base. Esta taxa de incidência, se sustentada, significaria que mais de 50% destas mulheres jovens teriam VIH no prazo de oito anos.
Das 42 mulheres infetadas, 28 receberam a TAR precocemente, 24 delas no prazo de 15 dias da infeção. Das 14 que optaram por não tomar TAR imediatamente, 11 tiveram a infeção detetada no prazo de 15 dias da exposição.
Entre as mulheres não tratadas, o pico da carga viral atingiu as dezenas de milhões de cópias/ml dez dias depois do diagnóstico, mas diminuíram para um patamar constante com uma média de 30.000 cópias/ml entre as três e quatro semanas após o diagnóstico. As suas contagens de CD4, com uma média de 800 células/mm3 antes da infeção, caíram para 250 células durante o pico da virémia, mas depois recuperaram, embora não completamente, para cerca de 470 células/mm3 no 30º dia.
As mulheres tratadas imediatamente atingiram apenas um pico de carga viral de cerca de 40.000 cópias/ml e apresentaram uma carga viral abaixo das 50 cópias/ml no dia 30 após o diagnóstico. As suas contagens de CD4 oscilaram ligeiramente durante o pico da virémia, mas ficaram em níveis estáveis de pré-infeção no dia 30.
Apenas 3 das 22 mulheres tratadas com a TAR e com dados completos disponíveis desenvolveram anticorpos anti-VIH e, deste modo, apresentaram testes “VIH-positivos”. Não houve relação entre o pico da carga viral e o desenvolvimento de anticorpos, mas houve uma ligeira relação entre faltar às consultas médicas e a seropositividade ao VIH.
Algumas das mulheres tratadas não desenvolveram qualquer resposta imunitária ao VIH – não apenas uma ausência de anticorpos, mas também uma ausência de resposta de células CD8. Daquelas que produziram esta resposta, embora apresentassem menos células reativas ao VIH, desenvolveram uma resposta anti-VIH muito mais forte. Em contraste, em mulheres não tratadas, as células CD8 específicas para o VIH exibiram uma resposta muito mais fraca para o VIH do que para outros vírus (60% para CMV ou citomegalovirus, 100% para gripe).
Discussão
Este resultado é concordante com os outros apresentados no Simpósio, o que sugere que o VIH tem uma atuação específica nas células CD8 que as torna lentas e não reativas, provavelmente ao induzir as células a uma ‘regulação negativa’ ou retirarem os seus receptores de outros transmissores imunológicos para si mesmas, tal como o receptor CD127, cuja presença indica a longevidade das células.
Estes resultados podem alterar a “hipótese da inflamação” que refere que o VIH causa dano ao provocar a exaustão do sistema imunológico. Em vez disso, pode especificamente desligar partes do mesmo. As células CD8 específicas para o VIH em mulheres tratadas tinham moléculas CD127 completamente reguladas e segregavam dez vezes mais interferon-gamma.
Implicações e próximos passos
Embora estes resultados sejam intrigantes, a pergunta é: o que se segue para as mulheres tratadas? Será que seus níveis aparentemente muito baixos de vírus se traduzem em uma capacidade de contê-lo se a TAR for suspensa? Este é um debate crítico na pesquisa da cura. Alguns cientistas dizem que apenas a interrupção do tratamento nos dirá se a toma da TAR precocemente ou outras intervenções podem levar ao controle sem TAR. Outras/os querem mais experiências com animais e melhores indicadores de controle antes de considerar a interrupção do tratamento para as pacientes. Ndung’u disse que a opinião atual da comissão de ética do ensaio foi a de que as mulheres devem permanecer em TAR por pelo menos 2 a 3 anos antes de considerar a interrupção do tratamento.
Questões relacionadas com isto incluem:
- Como educar as mulheres que testam VIH-negativo para que compreendam que provavelmente ainda têm a infeção; e, também,
- Decidir se a PrEP (profilaxia pré-exposição) deve ser incluída na oferta a mulheres com tão alta incidência.
Numa reunião paralela, a Organização Mundial de Saúde referiu que a oferta da PrEP deve ser uma prioridade em populações em que a taxa de novas infeções pelo VIH é de 3% ao ano ou superior.
Referência
Ndung’u T Addressing key gaps in cure research through identification and treatment of hyperacute HIV infection in a resource limited setting. Towards a Cure 2016 Symposium, 21st International AIDS Conference, Durban, 2016. Vejahttp://www.iasociety.org/Web/WebContent/File/HIV_Cure_2016_Symposium_Programme_July.pdf para o programa.
Traduzido e adaptado por Isabel Nunes, Seres
