sobre o SHE: comprometermo-nos com o tempo e com a vida
O Programa SHE (Strong, HIV positive, Empowered women/ Educational programme) visa “Apoiar as mulheres que vivem com o VIH a sentirem-se empoderadas para melhorar a qualidade das suas vidas incluindo obter o máximo dos serviços de saúde.”
Este mês estamos a apresentar os depoimentos das mulheres que participaram neste programa desenvolvido, em Portugal, pela SERES.
Paula (Coimbra)
Quando soube estar infetada (em Fevereiro 1996), senti que estavam pagos os meus pecados. A seguir tive medo da morte e revoltei-me, pois, tinha tido uma filha (em Janeiro 1995). Achei injusto, tinha 26 anos e ela 1 ano. Como poderia tomar agora conta dela se tinha os dias contados? Depois procurei pessoas infetadas que não tinham medo e absorvi a vida. Agora levo um dia de cada vez, não tenho grandes expetativas quanto ao futuro no entanto e mais do que nunca aproveito cada minuto que vivo, agradecendo a oportunidade de ainda cá andar em vez de me lamentar que poderia ter sido de outra maneira se tenho evitado ser portadora do VIH.
Inscrevi-me no SHE para sair do anonimato e poder ser de alguma utilidade perante outras mulheres que se infetaram recentemente ou que já não sendo naïves gostassem de encontrar identificação junto de quem está infetada. Ao fim de 19 anos de infeção, penso que a solução é podermos falar abertamente umas com as outras e na sociedade.
O momento mais ‘tocante’ nesta formação foi o de ouvir na primeira pessoa o relato e as dificuldades sentidas por uma outra colega cuja infeção pelo VIH não se relacionou com drogas, nem com comportamentos de risco, mas sim por transfusão de sangue. E mesmo assim ter sentido toda a descriminação possível e imaginável pela sociedade, nomeadamente na Maternidade, onde se encontrava em tratamentos para ficar grávida e como não conseguia foi obrigada a internamentos regulares. Foi nesta maternidade que ela encontrou a discriminação. E começou a ter medo que outras pessoas conhecessem a sua seropositividade.
O mais difícil nesta formação foi o de garantir o transporte de ida e volta. Se tivesse carro seria muito melhor.
A nível pessoal fiquei sensibilizada pela incrível experiência de vida da formadora que me incutiu que devemos nos comprometer com a vida ainda que nada seja garantido, a não ser o aqui e agora. Por isso decidi ter um cão e passado um ano e três meses não me arrependo deste compromisso. Assumir a responsabilidade de um animal é comprometermos nos com a vida e com o tempo. Coisa que pensava que a sida me tinha tirado. Esta aprendizagem devolveu-me a esperança que talvez ainda dure pelo menos mais dez anos e que ainda terei tempo de poder-me comprometer com coisas que considerava vedadas desde o dia em que soube que tinha VIH1 (em Fevereiro de 1996). Nesse sentido foi de muita importância.
Com este curso aprendi a não ter medo de ser discriminada, valorizar-me mais como pessoa e acreditar nas minhas capacidades. Sair do anonimato também é prevenção. Devemos na primeira pessoa, dar a cara pelos mais jovens e não ter medo.
No início da minha infeção, não escondia a minha seropositividade, para chocar as pessoas mas depois passou por querer ser um exemplo no sentido de mostrar que a prevenção é a única possibilidade porque não existe cura possível – depois da transmissão não se pode voltar mais atrás. Terá de se viver com isso até á morte. E estar infetado é muito mais que tomar comprimidos e fazer análises. Gostaria muito de poder falar abertamente com mulheres seropositivas com mais tempo que eu, saber os seus sentimentos e identificar-me no turbilhão de emoções partilhadas.
A SERES acredita que a capacitação e empoderamento da mulher são essenciais para reduzir as suas vulnerabilidades, garantindo a sua dignidade e o respeito pelos direitos humanos assim como saúde sexual.